Intervenção sobre os Serviços de Informação da República
proposta de lei dos Serviços de Informação da República
Maio de 2005
Sr. Presidente da Assembleia Nacional, colegas Deputados
Com a revisão da Constituição em 1999 tornou-se possível dotar a República de Serviços de Informação ou serviços de Inteligência. O passado recente do país de convívio com estados autoritários e totalitários, o Estado Novo de Salazar com a sua Pide/DGS e o regime de partido único com a sua Segurança dita que cuidados muito especiais sejam tomados na criação dos serviços de inteligência para evitar a contaminação policial e persecutória das pessoas que há bem pouco tempo grassou em certas instituições do país.
Esses cuidados não são específicos de Cabo Verde. Todos os países com recente experiência de regimes totalitários e autoritários fizeram essa caminhada. Portugal passou a ter serviços de Informação da República a partir de 1984, oito anos depois da aprovação da Constituição de 1976. A Espanha recentemente, em 2002, criou o Centro de Inteligência Nacional para substituir os serviços que anteriormente dedicavam-se essencialmente a matérias de defesa. Mesmo os Estados Unidos da América só criaram a CIA em 1947.
Os serviços de Informação da República são serviços de Inteligência porque são dirigidos para a recolha, processamento e análise, ao mais elevado grau, de informações com o objectivo único de disponibilizar ao Governo elementos para decisões políticas que visem a protecção da ordem constitucional e do Estado de Direito democrático face a ameaças internas e externas. Porque o Governo é o consumidor final do trabalho dos serviços de inteligência pressupõe-se que nem os seus titulares, nem ninguém deve interferir no trabalho essencial desses serviços. A produção da inteligência não deve ser contaminada por decisões, opções e interesses de curto prazo dos políticos sob pena de tornar inútil o trabalho que esses serviços devem prestar à república. O que se passou nos Estados Unidos em relação à questão das armas de destruição massiva no Iraque é exemplificativo de uma interferência política governamental nos serviços de inteligência que acabou por comprometer a eficácia dos mesmos.
Sr. Presidente da Assembleia Nacional, colegas Deputados
O Paicv ao aprovar da forma como fez a lei que cria os serviços de informação da república demontrou:
- Incompreensão da natureza especial desses serviços
- Insensibilidade em relação à história recente do país
- Incapacidade de diálogo com a sociedade e com a oposição no que respeita a questões fundamentais, como sejam as questões de defesa e segurança
- Irresponsabilidade na criação unilateral de instituições que, pela sua natureza de serviço à República, tem ligações, orgânicas e funcionais, estreitas com outros orgãos de soberania, designadamente o Presidente da República e Assembleia Nacional
Os serviços de Informação, enquanto serviços de inteligência, não se confundem com a polícia. Não investigam pessoas, não investigam crimes, não prendem e muito menos instruem processos. Funcionam essencial com informação aberta, utilizando a sua superior capacidade de análise para encontrar conexões entre factos ou dados que escapam às pessoas normais, para antecipar tendências de evolução de situações nos mais diferentes domínios sejam eles geopolíticos, estratégico-militares, económicos ou tecnológicos e para detectar ameaças emergentes da mais variada origem. Naturalmente que, em encontrando indícios de crimes, têm a obrigação de transmitir a informação aos serviços próprios ou seja à Polícia Judiciária que tem as devidas competência para a investigação criminal.
Os serviços de informação da Alemanha (BfV)chamado de Serviço para a Defesa da Constituição trabalha com informações em cerca de 80 % recolhidas de fontes abertas. A própria CIA, com todos os seus outros meios, ainda consegue os seus dados em 65 % dos casos de fontes disponíveis a todos (jornais, revistas, livros e publicações, emissões de rádio e televisão etc).
O Governo do Paicv e a sua maioria ao aprovar ontem a lei que cria os serviços de informação da república não demonstraram qualquer sensibilidade em relação aos direitos fundamentais dos cidadãos, designadamente em relação ao acesso a dados pessoais. Na apresentação e discussão da lei revelaram desconhecer a própria lei 133/V/ 2001 de protecção de dados pessoais das pessoas singulares. É essa ignorância da lei que explica vários artigos da lei dos serviços de informação da república designadamente os que dão a esses serviços o acesso directo a arquivos e registos do Estado para consulta e consequentemente lhes permite a possibilidade de os cruzar a seu belo prazer. É essa mesma ignorância que faz com que a lei preveja o absurdo de a polícia ter acesso directo ao centro de dados dos serviços de informação.
Aliás a insensibilidade do Governo em relação à matéria de afirmar uma diferença clara e sem reservas entre a actividade policial e a actividade de inteligência manifestou-se na escolha de assessoria, indo buscar técnicos a departamentos da polícia para o aconselhar. A escolha há dias do embaixador John Negroponte com Director Nacional de Inteligência nos Estado Unidos revela onde normalmente se recrutam os chefes dos serviços de inteligência. São convidados diplomatas, magistrados, militares de alta patente. Nunca polícias.
Sr. Presidente da Assembleia Nacional, colegas Deputados
Apesar do mau passo de ontem, pensamos que ainda o Governo vai a tempo de rever a sua posição. A discussão das opções do Conceito Estratégico de Defesa e Segurança nacional e da Lei de Defesa e Segurança nacional, matérias que exigem um alto consenso nacional obriga que o Governo, que tem a responsabilidade de conseguir esses consensos demonstrando capacidade de negociação, a esforçar-se por construir um edificío jurídico institucional coerente que sirva a república, mas respeitando os direitos fundamentais e o Estado de Direito Democrático.
Acredito que o Movimento para a Democracia continuará disponível para trabalharmos juntos para criar e fazer crescer bem as instituições que a República precisa para a sua existência e afirmação.
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